sexta-feira, junho 26

Castello Branco







Acompanhe na íntegra, entrevista de Carlos Castello Branco sobre diversos assuntos e personas da política nacional conteporânea.

Adriana Zarvos

Você se lembra do Juscelino como Prefeito?
Sim, e ele já era simpaticão, era agradável. Quando assumiu a prefeitura de Belo Horizonte, em um mês abriu a Avenida Afonso Pena. Era no tempo da guerra, em 1940, e aquela rua ficou sendo chamada Linha Kubitschek. Ele se tornou rapidamente um prefeito popular, e era muito amigo do Diretor do Estado de Minas, Gregoriano Canedo, de quem diziam que ele era sócio em alguns negócios de loteamento. Mas ele sempre foi acusado de fazer negócios, de querer enriquecer. A dona Sara tinha uns terrenos na Pampulha, e ele vendia aqueles terrenos e comprava outros. Eu nunca comprei porque meu dinheiro não dava para pagar a prestação.

Você concorda com a fama de corrupto de Juscelino?
Não sei. Ele não morreu rico. Eles tinham uma fazenda, pequena, em Luiziânia. Tinham um apartamento. Quando ele era Deputado, comprou um apartamento na Avenida Copacabana, esquina com Sá Ferreira, onde morou até ser eleito Presidente. Depois passou para um apartamento no Leblon.

Quando o Juscelino foi eleito, os militares não ficaram muito satisfeitos... Fale sobre essa interferência dos militares em todos os momentos de crise política no país.
O Getúlio, em 1930, se aliou aos militares, aos tenentes, porque só assim ele poderia fazer a revolução. Montou o seu grupo militar e conquistou o poder. Em 1932, o governo dele era provisório. Então, para defender sua autoridade, ele se fortaleceu com o Exército, para resistir à oposição de São Paulo, e derrotou a revolução paulista de 1932. Depois, em 1935, os comunistas caíram na besteira de fazer aquela revolução fracassada; como eles eram contra o Getúlio, e o Exército era anticomunista, este passou a defender o Getúlio, que começou a trabalhar em colaboração muito íntima com os militares. Getúlio combateu o comunismo antes de 1937, então armou o golpe para ficar no poder com o apoio do Exército, do General Lott e do General Dutra. Em 1945, quando os alemães perdiam a guerra, Getúlio perdeu a força interna e o apoio do Exército, que lutou na guerra ao lado dos democratas e dos comunistas, ao das nações aliadas. Veio a democracia, e Getúlio foi derrubado. Mas ele entrou em jogadas com Prestes, para tentar impedir sua derrota, e este foi o seu grande erro político. Quando ele voltou, o Exército já estava dividido, parte o apoiava, parte não. E a parte que não o apoiava conspirou para derrubá-lo em 1954. Em 1955, de fato, o Exército voltou a se dvidir em relação à posse de Juscelino. Esse episódio em 1964 é de certa foma a revanche de 1955. Com o Jânio, eles também não queriam permitir a posse, mas quando o Exército se divide fica difícil para eles, preferem não ir à luta. Hoje toda a esquerda do Exército desapareceu, porque em 1964 se fez uma limpeza de larga escala. Não ficou ninguém. Hoje, se tem, está enrustido.

Durante o Governo do Juscelino você continuava trabalhando no O Cruzeiro?
Sim. O Neiva Moreira me convidou para fazer a seção política do O Cruzeiro, que não publicava nada de política. Na semana seguinte ele foi para o Maranhão, se candidatar a Deputado. Eu chamei para me auxiliar Bendito Coutinho, e fiz durante 11 anos a seção política da revista. Tinha muita repercussão naquela época, por que O Cruzeiro vendia 720.000 exemplares, no Brasil todo. Tudo que era publicado tinha repercussão. Era muito mais que a Veja, que hoje tem 800.000 exemplares e o país tem 130 milhões de habitantes. Na época do Cruzeiro, o Brasil tinha 40.000.000 de habitantes.

Já Presidente, Juscelino nomeou você procurador...
Sim, em 1960. A Elvia... Mulher geralmente tem muito sentimento de insegurança econômica. Eu era um jornalista, a atividade de jornal é muito precária, a pessoa nunca tem muita segurança para ficar no emprego, e os jornais de repente param de pagar. O Diário Carioca ficou quase seis meses sem pagar a ninguém. Então ficou aquele sentimento de insegurança de salário. Por isso a Elvia pediu ao Autran Dourado, que era secretário de Imprensa do Juscelino, para ele arranjar um lugar de Procurador, e o Autran arranjou com o Juscelino.

E o Brizola, você conheceu quando?
Eu conheço o Brizola desde que ele era Prefeito de Porto Alegre. Como ele foi Governador do Rio Grande do Sul de 1958 a 1962, deve ter sido Prefeito de 1954 a 58. Foi eleito Prefeito quando Getúlio morreu. Eu tenho um irmão que mora em Porto Alegre, é jornalista e é amigo do Brizola. Brizola não bebia, passava a noite inteira conversando, porque já era loquaz como é hoje, tomando média com pão e manteiga, enquanto nós bebíamos uísque. Gosto do Brizola, sou amigo dele.

Fale sobre a relação do Brizola com Jâni Quadros.
No Governo do Jânio Quadros, Brizola aderiu a ele, no maior entusiasmo. Antes tinha horror ao Jânio, mas brigou com Juscelino, porque ele achava que ele era mentiroso, e porque Juscelino não dava dinheiro para ele no final do governo – talvez porque não tivesse. Agora, sobre o Brizola, uma coisa que nunca foi publicada: eu fui a Porto Alegre para inauguração do Diário Carioca, com Pompeu de Souza e Autran Dourado. Fui à casa de Brizola, e ele estava muito exaltado com a derrota do General Lott e a vitória do Jânio, estava inconformado. O Pompeu de Souza tinha sido o organizador da campanha do Lott, e a certa altura da conversa o Brizola disse: “Você Pompeu, que é amigo do General Lott, e você, Autran, que é Secretário do Presidente Juscelino, vocês têm que agir, porque nós não podemos assistir à posse do Jânio Quadros. Temos que nos armar, reunir, impedir essa posse”. Hoje dá para revelar isso. Claro que nem o Pompeu nem o Autran deram este recado pra ninguém, nem eu usei esta conversa para impedir depois o contato do Brizola com Jânio. Aliás, quando começaram a se entender, eu fui o intermediário desta conversa de Jânio com Brizola. O Jânio era cercado pelo pessoal da UDN ou de gente assim, hostil ao Brizola, a única contato que ele tinha com o Brizola era eu. À veze eu pasava a noite inteira com o Brizola, tentando uma aproximação entre os dois.

Onde você morava, nos anos 50?
Quando casei, eu tinha comprado um pequeno apartamento na Urca. Aí começaram a nascer os meus filhos, eu precisava ter um apartamento melhor, e comprei um apartamento em construção no Leblon. Para isso eu tinha que dar uma entrada e obter um financiamento. Então, durante o ano de 1953, para aumentar minha renda, eu era ao mesmo tempo editor político do Diário Carioca e editor geral da Tribuna da Imprensa. Além disso, era o correspondente político da Folha de São Paulo e fazia o editorial para O Mundo, do Geraldo Rocha. Quando o Diário Carioca começou a atrasar nos pagamentos e deixou de inspirar confiança, passei a escrever todos os dias para o Geraldo Rocha. Ele era uma figura muito curiosa, um gangster da imprensa, dizem que recebia dinheiro do Perón,. Tinha uma grande aspiração de poder e de influência no país. Durante a campanha de Getúlio pelo Estado Novo, ele tinha um jornal chamado A Nota, e todo dia publicava a mesma manchete: “Não se muda o timoneiro no meio da tempestade”. Parei de escrever para O Mundo e para a Tribuna da Imprensa, onde fiquei exatamente um ano, quando juntei o dinheiro para comprar um apartamento. Saí e fui trabalhar em O Cruzeiro, onde passei a ganhar muito bem. Aí fiquei lá e no Diário Carioca, até que eu fui trabalhar com o Jânio, com o José Aparecido.

Você cobriu a inauguração de Brasília?
Eu estava aqui no dia da inauguração, com o José Aparecido, Paulo Mendes Campos, Geraldo Carneiro e outras pessoas. Ficamos num apartamento na Quadra 108 Sul, apartamento que era chamado televisão de candango, porque ele tinha vidro e ainda não tinha cortinas. A gente dormia lá, até o Paulo Mendes Campos fez uma crônica, uma brincadeira, dizendo que as pessoas ficavam debaixo vendo as outras dormindo nuas. A inauguração foi uma festa muito bonita, de muita emoção. Houve um desfile dos candangos, com o Israel Pinheiro na frente desfilando com engenheiros e operários em frente ao Palácio do Planalto. Fogos de artifício, muita iluminação, foi uma noite muito bonita em Brasília. Era muita emoção na cidade toda. Tinham vindo milhares de pessoas do Brasil todo, de avião e pela estrada de rodagem, que estava aberta de Belo Horizonte e de Goiânia para cá. Havia um certo espanto com aquela construção da cidade, construída em três anos. O que estava feito já era uma coisa espantosa: os Palácios, o Congresso, onze Ministérios, várias quadras residenciais...

É verdade que nenhum jornalista queria vir pra Brasília?
Já tinha vários jornalistas aqui, na época da inauguração. Eram os que estavam credenciados junto à Câmara, ao Senado, junto ao Palácio e vieram pra cá. Ou então os que eram funcionários do Senado. E veio muita gente, mais de São Paulo que do Rio. As sucursais no começo tinham mais paulistas. Quando eu fui organizar a sucursal do Jornal do Brasil em 1962, a maioria do pessoal que eu contratei era gente de São Paulo. Os cariocas esnobaram Brasília.

in Castello 50 anos de jornalismo. Entrevista cedida à Adriana Zarvos, em 1986, editada por Luciano Trigo.

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